quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

REGIME DE INCOMPATIBILIDADES DOS DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA: intervenção de José Mendes Bota, Deputado e Presidente da Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, na Sessão de Abertura do XV Encontro Público PASC.


Intervenção de José Mendes Bota, Deputado e Presidente da Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, na Sessão de Abertura do XV ENCONTRO PÚBLICO PASC - REGIME DE INCOMPATIBILIDADES DOS DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, realizado no dia 29 de Novembro de 2013, na Sala do Senado da Assembleia da República.



Ex.ª Sr.ª Coordenadora da Plataforma Activa da Sociedade Civil, Dr.ª Maria Perpétua Rocha,

Senhoras e Senhores,


Gostaria, em nome da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, de vos dar as boas vindas neste evento promovido e organizado pela Plataforma Activa da Sociedade Civil, que congrega 38 entidades representantes dos mais variados interesses e sectores, mas que emanam de uma pulsão de afirmação da cidadania em Portugal.

O histórico de intervenção cívica dessas entidades, e a qualidade e a posição dos seus membros e dirigentes na sociedade portuguesa, formam um capital de credibilidade mais do que suficiente para justificar o acolhimento, na Casa da Democracia, deste evento, na expectativa de que um tema tão delicado e controverso como é o do regime de incompatibilidades e impedimentos dos Deputados será tratado com seriedade, profundidade, com espírito construtivo e sem tentações demagógicas ou populistas.

Parece, pois, apropriado, que a PASC tenha procurado discutir esta temática junto dos mais directamente interessados, em primeira linha, os Deputados e a própria instituição parlamentar, sendo que as questões da transparência e da Ética no exercício de cargos e funções públicas é uma magna preocupação que diz respeito a todo o Povo português, numa linha de aperfeiçoamento e qualificação do sistema democrático.

Apesar de sucessivas alterações, ao longo destas quase quatro décadas de democracia, introduzidas no quadro jurídico que regula os impedimentos e as incompatibilidades no exercício de cargos políticos, designamente parlamentares, existem ainda zonas sombra que suscitam dúvidas, suspeições e polémicas, persistindo um défice de transparência que urge colmatar.

Numa altura em que tantos sacrifícios são exigidos ao povo português, o que redobra a intensidade crítica e de exigência com que o mesmo encara a classe política, faz todo o sentido, e é urgente, balizar a gestão do interesse público dentro dos magnos princípios da Ética e da Transparência.

Para todos os políticos, e são muitos, que se regem dentro destes parâmetros, são perigosas e desconfortáveis as generalizações que se fazem na (de)preciação da classe política, a pretexto ou por invocação de alguns maus exemplos de abuso de poder, desvio de dinheiros públicos, ou tráfico de influências com proveito próprio, que amiúde afloram na agenda mediática.

Devem ser esses, os políticos que nada têm a temer na sua conduta, os primeiros interessados em defender o primado da Ética na Política, exercida com Responsabilidade, Mérito e Competência.

Quando se fala de moralização da vida política, não se trata de invocar normas, tabus, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos, de natureza moralista.

Sendo que a Ética consiste na Ciência que fundamenta o bom modo de viver pelo pensamento humano, e a Moral trata da qualificação desta conduta, da distinção entre o Bem e o Mal, no fundo, o objectivo a atingir é o aperfeiçoamento máximo de códigos de conduta para a classe política que, colocando o interesse público acima dos interesses particulares, permita uma transparência sem mácula na interessecção entre as actividades públicas e as actividades privadas, e os conflitos de interesses que ali se geram.

É verdade que os políticos não são funcionários públicos, mas a eles se devem aplicar também os dez princípios éticos da Administração Pública. Ou será que a Legalidade, a Justiça, a Imparcialidade, a Igualdade, a Proporcionalidade, a Colaboração, a Boa Fé, a Informação, a Qualidade, a Lealdade, a Integridade, a Competência e a Responsabilidade, lhes devem ser estranhos?

Vivem-se hoje tempos muito diferentes daqueles que ainda há pouco se viviam no virar do século passado. Vive-se um tempo de aceleração e de acessibilidade à informação, proporcionados nesta nova sociedade da comunicação pelas novas tecnologias, o que multiplicou exponencialmente o escrutínio da opinião pública sobre o que fazem os seus representantes, e onde as redes sociais assumem hoje um papel que não pode ser ignorado.

É inegável que a confiança dos cidadãos no Poder Político está fortemente abalada. A todos os níveis, em todas as instituições do edifício democrático. Os cidadãos olham para o poder político em busca de probidade, independência e isenção, valores que aos seus olhos se vão tornando raros, prevalecendo os maus exemplos que, assim, de excepções se tornam regra na avaliação do desempenho dos eleitos.

Já dizia Francisco Sá Carneiro que o exercício da Política, sem risco, é uma chatice, mas sem Ética, é uma vergonha!

Existe um défice de transparência que urge colmatar. É um défice que não se encontra nas contas públicas, nem na agenda de trabalhos da Troika. O combate a esse défice compete-nos a nós, legisladores, e à vontade política de quem tem nas suas mãos o poder de decidir.

A descredibilização das instituições democráticas e da classe política vem de longe, e tem origens muito diversas, é transversal. Tem a ver com a tomada de decisões executivas e legislativas strictu sensu, mas também com a falta de qualidade nas respostas do Estado. Tem a ver com a lentidão e a ineficácia do sistema judiciário, logo, com a falta de Justiça percepcionada pelos cidadãos, e com a má gestão dos dinheiros públicos.

O desencanto dos cidadãos com os políticos, está naturalmente ligado à crise económica e social, mas também a um combate insuficiente à corrupção, que abunda em legislação dispersa e referências convencionais, mas peca na fase da investigação, da acusação e da condenação dos corruptos.

As doses diárias maciças de retórica demagógica que se abatem sobre os cidadãos, aliadas a um sentimento generalizado de que os interesses dos partidos políticos muitas vezes se sobrepõem ao interesse nacional na busca de consensos e entendimentos, e a incompetência provada no facto de o País, em três décadas, se ter encontrado à beira da bancarrota e ter recorrido por três vezes à ajuda financeira exterior, tudo tem contribuído para este afastamento progressivo entre eleitos e eleitores, que, se nada de substancial se alterar, nos conduzirá a níveis de abstenção eleitoral jamais vistos, e ao desmoronar de uma verdadeira representatividade democrática.

···

Senhoras e Senhores,


O edifício jurídico da Ética e da Transparência, em Portugal, encontra-se fundamentalmente vertido em quatro diplomas:

  • O Estatuto dos Deputados;
  • O Regime de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos;
  • O Controle Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos;
  • O Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos.

As incompatibilidades e os impedimentos dos Deputados surgem no cruzamento com outros cargos públicos, com o sector público e o sector empresarial do Estado e com as actividades privadas, aqui se gerando conflitos de interesses, cuja resolução está, a meu ver, apenas parcialmente coberta pela legislação em vigor.

A este propósito, são conhecidas as minhas posições públicas a favor do exercício da função parlamentar em regime de exclusividade mas, atenta a minha qualidade institucional de presidente da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação neste discurso de abertura, reservo o seu desenvolvimento para o período do debate, intervindo então a título individual, se entender oportuno e necessário.

Considero, no entanto, que o exercício do mandato parlamentar é uma honra para quem o exerce, e um serviço que se presta se País, justificando os sacrifícios de natureza pessoal, familiar e material que a disponibilidade para esse desempenho exige.

A transparência deve ser, simultaneamente, o princípio, o método e o objectivo no exercício do mandato parlamentar, o que pressupõe, ou implica, a publicidade de todos os seus actos, gastos e resultados da actividade. Neste campo, a Assembleia da República, muito por impulso da sua Presidente, fez progressos dignos de registo, destacando-se um portal digital pleno de informações e inter-conectividade, e a transmissão do Canal Parlamento em sinal aberto, tornando a parte substancial dos seus trabalhos acessível, em directo ou em diferido, a todos os Portugueses.

Por outro lado, tornou-se exigível um acesso livre dos cidadãos ao registo de interesses e às declarações patrimoniais e de rendimentos dos deputados. Nesta área, melhorou-se a aplicação informática que permite aos deputados manterem actualizados os seus registos de interesses, e introduziu-se como novidade a possibilidade de os membros do Governo o fazerem também, estando as respectivas declarações acessíveis no portal da Assembleia da República.

A imagem que a Assembleia da República projecta para o exterior deve merecer o nosso cuidado, e a ideia que os portugueses fazem dos seus Deputados deve merecer a nossa preocupação, porque muitas vezes o foco mediático parece imbuído de um espírito anti-parlamentarista, dando campo à distorção das situações e às meias-verdades, para não dizer calúnias, que minam a credibilidade da instituição.

Sempre defendi, sem êxito, diga-se de passagem, que a Assembleia da República deveria promover no seu seio um grande debate sobre as questões que, só com coragem política e consenso alargado, poderão contribuir para recuperar a credibilidade perdida e a reaproximar dos cidadãos.

Deixo só algumas pistas para reflexão, para lá da questão do exercício do mandato em exclusividade já atrás referida:

  1. Será que o modelo actual da Comissão para a Ética, com uma composição que reflecte a proporcionalidade eleitoral dos grupos parlamentares, e onde se privilegia a acção reactiva, em detrimento da acção preventiva ou proactiva, é o modelo mais adequado, para exercer o papel fiscalizador sobre os deputados?
  2. Será que a Comissão para a Ética, entulhada com 20 outras competências para lá daquela que lhe dá nome, e dispondo de apenas duas funcionárias ao seu serviço, tem condições para exercer em toda a sua extensão esse papel fiscalizador, para lá de conferidor de incompatibilidades e arquivista das declarações que lhe são entregues pelos deputados?
  3. Será que se justifica a dispersão de obrigações declaratórias por parte dos titulares de cargos políticos, por vários órgãos do Estado, em vez de uma consolidação declarativa? 
  4. Será possível fiscalizar na sua plenitude a eventual existência de conflito de interesses de um Deputado que, por força legal do seu código deontológico, está impedido de revelar a carteira de clientes a quem presta serviços profissionais? 
  5. Será suficiente exercer o controle apenas no início e no final de um mandato, esquecendo o que acontece com os interesses ou o património de um titular de cargo político, durante o mandato, ou vários anos após o seu términus
  6. Será suficientemente investigada a dissimulação do património de um titular de cargo político através de familiares ou de sociedades off-shore
  7. Será irrelevante, em nome da transparência, a obrigatoriedade de declaração de pertença de um titular de cargo político a associações ou organizações de interesses privados, que fazem do secretismo um dogma, alargando-se a declaração dos interesses objectivos à declaração dos interesses subjectivos, derivados de motivações individuais, morais ou éticas? 
  8. O que se espera em Portugal, para regulamentar a actividade do Lóbi, a qual, devidamente enquadrada, registada, pode tentar influenciar com transparência os poderes legislativos e executivo, transportando uma mais-valia argumentativa para os debates e reflexões que precedem as decisões, valorizando o direito ao contraditório pelos vários interesses em presença, à semelhança do que já se pratica na União Europeia e em diversos Estados europeus. 

···

Senhoras e Senhores,


Gostaria, a terminar, de agradecer à Plataforma Activa da Sociedade Civil, e às organizações cívicas que a compõem, esta oportunidade de discutirmos sem tabus questões fundamentais para o reforço da democracia representativa.

Com curiosidade e expectativa, aguardaremos o desenrolar dos trabalhos, as exposições dos oradores e os contributos dos participantes no debate, e receberemos as vossas conclusões para a nossa própria reflexão interna.

Os portugueses andam desconfiados com tudo e com todos, e muito particularmente, com a classe política e as instituições democráticas. Está na altura de reconquistar essa confiança. Muito obrigado pelo vosso interesse, e pela vossa ajuda. Nós confiamos no povo português, e queremos que o povo português confie em nós.

Sem confiança mútua, não é possível erigir alicerces sólidos para o Futuro. CONFIANÇA, é a palavra-chave e estrutural do momento, que anda perdida no tumulto das dificuldades da conjuntura.

Muito obrigado!

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